Vivências no morro pelos alunos do CRC

Alunos do CRC escrevem histórias vivenciadas no Morro da Cruz – Créditos: Vivian Duarte

No dia 5 de junho de 2025, os alunos do CRC (Centro de Recondicionamento de Computadores) do Morro da Cruz participaram de um workshop sobre comunicação comunitária. A atividade foi conduzida pelo jornalista Robson Farias, coordenador do setor de Comunicação da nossa instituição.

O encontro teve como objetivo apresentar aos jovens a relevância das profissões ligadas à comunicação, especialmente no contexto das periferias. Muitas vezes silenciadas ou invisibilizadas, essas comunidades precisam de ferramentas e profissionais que ajudem a contar suas histórias, fortalecer suas identidades e reivindicar seus direitos.

Ao final do workshop, os alunos foram convidados a escrever breves relatos sobre situações que vivenciaram ou presenciaram no Morro da Cruz, além de histórias sobre personagens presentes na comunidade que fizessem sentido pra eles. A proposta buscava estimular o olhar sensível e crítico dos jovens, incentivando-os a assumir desde já o papel de comunicadores capazes de mostrar ao mundo as potências e os desafios do território onde vivem. Além disso, a atividade teve o objetivo de ajudá-los a desenvolver suas habilidades de escrita, fortalecendo sua capacidade de expressão e organização das ideias por meio do texto. Confira a seguir as histórias contadas pelos alunos.

Maurício Oliveira

Bom, desde pequeno, fui criado dentro do mundo da Umbanda. Já fazem 8 anos que cultivo práticas relacionadas à minha religião. Sempre fui acostumado a frequentar apenas lugares ligados à minha fé, mas já fui à igreja e até participei de alguns cultos. Porém, não senti tanto interesse quanto sinto pela minha religião, pois não estou acostumado com a “vibe” da igreja. Não tenho nada contra quem cultiva a religião cristã, pois respeito todas as religiões, assim como desejo que respeitem a minha.

Uma das coisas que mais amo em minha religião são as cores, os orixás e a harmonia que ela transmite. É indescritível! A primeira vez que participei de algo ligado à minha religião, eu tinha 8 anos. Minha mãe me levou para uma sessão junto com ela e, quando estávamos lá, ela percebeu que eu emitia uma “vibe” diferente. Então, ela decidiu me integrar mais profundamente à religião. Desde pequeno, venho aprendendo muitas coisas, e minha religião já me ajudou em diversas situações. Quando vou a lugares que cultuam a minha fé, sinto-me acolhido, seguro e confortável. Sem a minha religião, não sei o que seria de mim. Até hoje, sou grato à minha mãe por me ter inserido nessa religião maravilhosa.

Matheus Ariel

Tudo começou há 2 anos, eu estava entediado em casa, fazia calor e eu não tinha ideia do que fazer. Estávamos de férias. Eu, até então, não conhecia ninguém, por isso não saía de casa. Nesse dia, lá pelas 14h05, vi duas pessoas na frente de casa jogando bola. Perguntei os nomes e se eu podia jogar. Eles responderam que sim e que os nomes deles eram Gabriel e Eduardo. Eu imaginei que teriam a minha idade. Saí de casa, olhei um pouco e pedi para jogar junto com eles.

Eles pensaram um pouco e, depois disso, aceitaram. Jogamos por algumas horas, nos divertimos, conversamos, entre outras coisas. Depois desse dia, jogar com eles virou rotina. Praticamente todo dia a gente jogava bola e sempre nos divertíamos muito. Depois de um tempo, começaram as aulas e eu fui para a escola. Chegando lá, descobri que estava na sala dessas pessoas. Fiquei feliz, porque conhecia eles e sabia que teria alguém para conversar. Entrando na sala, sentei no meio, sozinho.

Entrou a professora e começou a perguntar sobre nós. Todo mundo respondeu. Quando chegou a minha vez, comecei a falar. Até então ninguém sabia de onde eu era. Antes de tudo, a professora me perguntou: “De onde você é?” Eu logo respondi: “Eu era da Argentina, vim morar no Rio Grande do Sul há 3 anos.” Depois disso, veio gente falar comigo. Uma dessas pessoas: Gabriel e Eduardo. Nunca esqueci deles e, até hoje, os dois são meus melhores amigos. Somos amigos há quase 4 anos e nunca vou esquecer dessa história.

Nícolas Antônio

Minha vó foi criada no Morro da Cruz há 35 anos ou mais. Sempre morou aqui na comunidade. Ela foi trazendo a família e, logo depois, vieram minha mãe, minha tia, meu tio, primos, e assim vieram vindo. Uns saíram, mas outros ainda estão na comunidade há anos. Meu falecido tio chamado Cleber dos Santos jogou em vários times aqui na comunidade: Flamenguinho, Corinthians e mais alguns times que não existem mais no morro.

Eu sempre me inspirei no meu tio. Ele fez testes na base, foi para o profissional, jogou no Grêmio, no Brasil de Pelotas e em outros times. Quando meu tio faleceu, eu coloquei na minha cabeça que também conseguiria. Hoje estou focado no futebol, correndo atrás de peneiras, treinando muito para conseguir tudo o que meu tio fez, e ele começou tudo na nossa comunidade, Morro da Cruz.

Eu sigo em busca do futebol, jogando em vários lugares, representando a nossa comunidade através do futebol. Se um dia eu jogar no profissional, vou levar nossa comunidade junto comigo.

Marli Gomes

Bom, esse é o resumo do dia que pegou fogo na minha casa. Não me lembro de muitas coisas, pois eu era muito pequena. Meu nome é Marli Gomes, atualmente tenho 16 anos, e foi no dia 14/06/2014. Eu tinha 5 anos na época, numa noite que estava meio chuviscando e faltou luz. Do nada apareceu um senhor que sabia arrumar luz e meu pai deixou ele mexer nos fios. Enquanto ele mexia, eu estava no pátio brincando com minhas irmãs e minha mãe estava fazendo janta. Lembro que ela estava fazendo um carreteiro de charque. Enquanto ela cozinhava, notou um clarão no quarto dela e foi olhar. Quando viu, era um fio pegando fogo que caiu em cima da cama dela. Ela já começou a gritar desesperadamente e todos foram olhar. Meu pai, que usava sonda, tentou apagar o fogo e acabou se queimando. Na hora, só conseguiram tirar o fogão e o botijão de gás. Depois disso, meu pai entrou de novo no fogo para tentar tirar mais coisas. Nesse meio tempo, nossa antiga cachorrinha, que se chamava Bolinha, entrou atrás dele e eu também fui atrás. Nesse momento, eu fiquei trancada no meio das duas geladeiras que tinha lá. Se não fosse uma amiga da minha prima me tirar dali, eu iria morrer queimada. Meu pai também conseguiu sair da casa, mas a Bolinha ficou lá dentro e acabou falecendo. Eu fiquei muito triste, pois eu era muito apegada a ela.

Yuri Fagundes

Como morador do Morro da Cruz há mais de 17 anos, uma das coisas que eu acho muito interessantes e atrativas são as festas e eventos que os organizadores e os próprios moradores fazem para a comunidade. Festas e eventos culturais feitos ao longo do ano, como as festas para as crianças (de Páscoa, de Natal, de Dia das Crianças, etc.), são sempre muito legais e atrativas para a comunidade.

Um evento que acontece anualmente no morro e que eu acho muito interessante é a procissão de Páscoa. Eu costumo frequentar todos os anos, acompanhado do meu vô e da minha irmã, que são as pessoas que me ensinaram e seguem essa tradição de subir a procissão junto comigo todos os anos. Acho a procissão muito legal por conseguir representar e contar a história de como Jesus foi crucificado. Toda a produção por trás do evento é muito interessante e eu gosto muito de acompanhar.

A sensação de subir é muito legal, mas um pouco cansativa. Porém, com tudo que acontece ao seu redor, a experiência fica mais divertida e menos cansativa. Toda a procissão, mas principalmente o final, é uma coisa inexplicável e muito linda, que tem uma vibe muito boa de acompanhar.

Arthur de Sá Severo

Quando meu pai era pequeno, ele adorava jogar futebol na adolescência dele. Dizia que era craque como o meu vô (risos). Ele jogava na escola Rubra e no time do Complexo da Coreia (Vila Vargas).

Com o passar dos anos, ele foi expulso do Rubra porque o professor não se dava bem com ele. Depois disso, ele me teve. Quando eu tinha entre 5 e 8 anos, ele tentou me colocar no futebol, mas eu não queria praticar esportes.

Hoje em dia meu pensamento é diferente, porque agora eu gosto de futebol e também de outros esportes. Penso em jogar em um time do Morro da Cruz como o meu pai. Agora estou com idade de querer um futuro para mim e também quero ser jogador. O problema é que comecei a gostar mesmo com os meus 13 anos. Mas estou curtindo muito fazer algo que eu gosto. Recentemente, realizei um dos meus sonhos: ter um PC gamer.

Minha perspectiva mudou bastante. Agora quero ser jogador. Mas, se eu não conseguir, pretendo trabalhar na área de T.I, para fazer algo que meu pai não conseguiu fazer na época dele.

Antonio Maurício

O Morro da Cruz aqui é bem legal. Aqui em cima, na 25 de Setembro, crianças e adultos, até mesmo influenciadores digitais, se reúnem para fazer ‘grau’ de moto e bike. Eles até produzem conteúdo, o morro é bem famoso por isso. Os influenciadores fazem vídeos mostrando como o morro é. Alguns organizam até shows para as crianças, doam brinquedos, doces e material escolar. Vou citar alguns influenciadores que inspiram umas crianças e adolescentes: Nathan dos Grau, Haridade e Cebolinha. Esses são os famosos da Cruz. A Cruz é bem legal porque tem uma árvore bem grande e brilhante. Fazem até ‘reels’ e fotos. O ‘grau’ é arte, não é crime. Muitos criticam essa arte, mas os guris do morro amam dar ‘grau’. Alguns ficam até felizes por dar ‘grau’, e outros morrem por dar ‘grau’. A brigada mata 90% da população por eles darem ‘grau’, mas ‘grau’ não é crime, é arte… O morro é bem legal e alegre por seus momentos incríveis.

Amanda Machado

Alguns anos atrás, meu pai fez uma promessa: se ele conseguisse construir a casa dele, doaria brinquedos para crianças das comunidades. Um tempo depois, ele terminou a casa e cumpriu com a promessa. Meu pai e meus tios moram no Campo da Tuca. Nós somos uma família bem grande por conta da minha avó; ela teve 24 filhos. Sim, muita coisa, né? Não tem quem não conheça a família Machado. Bom, depois que meu pai conseguiu fazer a casa, ele e meus tios começaram a doar brinquedos em todos os Natais. Eles compravam e pegavam em doação; conseguiam juntar bastante brinquedos para doar no Natal. Eles faziam bolo, refrigerante e davam para as crianças da Tuca. Meu pai, meus tios e tias pegavam os carros, colocavam os brinquedos dentro e subiam o morro, distribuindo para as crianças no Morro da Cruz, São José, Morro das Antenas, etc. Minha família fez isso durante alguns anos, vou chutar uns 9 ou 10 anos. Era muito bom ver a felicidade das crianças. Tinha um amigo dos meus tios que se vestia de Papai Noel; era muito bom esse tempo. Bom, hoje em dia eles já não fazem mais isso, mas estão sempre ajudando o próximo, e isso sempre será assim.

Rodrigo Rodriguês Silveira

O Morro da Cruz é um excelente local para o aprendizado, com diversas escolas e cursos como o CRC e o Decola, que auxiliam os jovens a ampliar seus conhecimentos. O CRC, que é um centro de recondicionamento de computadores, ensina o jovem a lidar com software, hardware, inglês e cidadania digital. Já o Decola prepara o jovem para o mercado de trabalho, oferecendo aulas de informática, cidadania social, esportes, além de sessões com psicólogos e aulas de expressão corporal. Acredito que esses cursos são extremamente valiosos, pois ajudam os jovens a adquirir conhecimento e se preparar para o futuro. Contudo, uma crítica que faço é que o governo não oferece o apoio necessário a essas instituições. Acredito que deveria financiar esses cursos e também incentivar a criação de outros programas com objetivos distintos.

Henrique Farias Rosalino

Numa manhã comum na Escola Morro da Cruz, o sinal da saída tocou e os alunos começaram a se dispersar. Dois começaram a discutir perto do portão, e a briga rapidamente escalou. Uma roda de curiosos se formou, e outras pessoas entraram no meio, transformando tudo em uma confusão generalizada. No calor da briga, um dos rapazes pegou uma pedra e jogou, mas errou o alvo: a pedra acertou o capô do carro de um professor que estava estacionado ali perto, amassando-o. No dia seguinte, o professor chegou visivelmente abalado, olhando o estrago no carro e estando mais calado e distraído durante a aula. Aquela cena ficou marcada como um exemplo de como um momento de descontrole pode causar consequências muito maiores do que se imagina.

Guilherme Queiroz

A história começou em 1943, com o nascimento da minha tataravó. Ela está viva até hoje e tem muitas histórias. Ela me contou uma história que começou às 7:00 da manhã e acabou às 3:00 da tarde. Ela me contou desse jeito:

“Meu netinho, vem aqui, vou te contar uma coisa. Sabia que eu já fui uma lutadora de boxe amador e campeã? E como foi difícil chegar ao topo do boxe amador. Eu ganhei muitas lutas, mas, antes de me aposentar, tive a maior luta contra a minha ‘rival’. Foi muito difícil, mas eu consegui ganhar.”

Aí ela começou a contar como foi: ela desviou do direto da ‘rival’, deu um direto de direita combinado com uma sequência de um-dois, e finalizou com um gancho de direita, vencendo a luta. Como ela foi uma campeã de boxe amador, eu sou apaixonado por lutas de MMA e outros tipos de lutas. Atualmente, faço kickboxing e outros tipos de lutas também. Capoeira eu fiz bem pouco. Jiu-jitsu também fiz bem pouco, mas sei algumas coisas, além de outras lutas que não me recordo.

Meu sonho é ser campeão de kickboxing, porque minha vó realizou o sonho dela de ser campeã de boxe amador. Então, meu sonho é ser um campeão de boxe, tanto faz se for no MMA, WWE… Eu não me importo onde for, mas esse é meu sonho, e eu vou correr atrás até o fim.

Brayan Martins

Lá na Cruz tem uma quadra onde eu jogo quase todos os dias. Porém, essa quadra tem alguns defeitos. Por exemplo, tem uma parte que fica com terra, e isso dificulta o jogo. Além disso, há algumas casas ao redor da quadra, o que também atrapalha um pouco.

Já colocaram grades para evitar que a bola se perca quando alguém chuta, mas ainda faltam algumas melhorias, como colocar redes nas goleiras e tirar a terra que fica na quadra. Entre outras coisas, seria bom também fazer alguns ajustes para tornar o lugar mais seguro e confortável para jogar.

Mas, antes de eu ir jogar lá na Cruz, eu jogava na minha rua, perto da minha casa, com meus amigos que moram aqui perto, onde eu moro. Isso é muito legal, na minha percepção, porque aqui no morro acontecem várias coisas, e a gente usa o futebol pra talvez tentar realizar os nossos sonhos e também pra fugir dessa realidade.

E eu acho que era isso que eu queria contar um pouco sobre aqui. Até mais.

Jonathan Cavalheiro

Quando eu tinha entre 7 e 8 anos, minhas melhores lembranças foram no topo da Ernesto, onde minha avó, por parte de pai, morava com minhas tias. Eu era meio abobado e me juntava muito com quem morava ali no beco. Era eu e mais dois guris e uma guria, cujos nomes eu não me lembro. Ali do lado, tinha uma Kombi abandonada, e a gente ficava lá fingindo ser aqueles motoristas de Kombi que levavam a gente para a escola, sabe?

Lá também tinha uma casa muito sinistra, que minhas tias falavam que era de um monstro ou algo assim. E como era divertido ficar aqui no morro com eles! Comprávamos sacolé cremoso por 1 real, aqueles iogurtes de morango de 1,50… Coisas simples, mas a diversão de subir e descer a lomba correndo fazia tudo ficar ainda mais divertido.

Quando fiquei mais velho, criei um certo preconceito em vir pra cá, por ser mais perigoso do que o normal, que era ficar trancado em casa. Até porque era normal ver traficantes na esquina e drogados pela área. Mas agora vejo o quanto a comunidade daqui é unida. Mesmo assim, pra mim, continua sendo perigoso demais.

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