Conheça o incrível trabalho das voluntárias de reforço escolar do Integração Social

Voluntárias dão aula todas as quintas-feiras no projeto Créditos: Robson Farias

Desde o surgimento do Coletivo Autônomo Morro da Cruz, uma das coisas mais gratificantes foram as parcerias realizadas entre a instituição e pessoas e organizações interessadas em fazer trabalhos voluntários nos nossos projetos. Temos muito orgulho de dizer que ao longo de toda a nossa história, recebemos pessoas dispostas a ajudar a tornar os nossos espaços em lugares que geram grandes oportunidades.

O próprio trabalho na nossa ONG começou de forma voluntária, onde desde o início a nossa presidente Lucia Scalco e a vice-presidente Elenira Martins depositaram o seu tempo em prol de realizar atividades e ações com crianças e adolescentes da nossa comunidade. E ao longo do tempo essas atividades foram acontecendo com mais frequência e com a participação de mais pessoas que carregadas de muita boa vontade, empatia e carinho buscaram contribuir.

Hoje nós queremos falar sobre um grupo de mulheres excepcionais que há mais de dois anos faz um trabalho voluntário maravilhoso no Integração Social, contribuindo diretamente para o desenvolvimento das crianças que são atendidas no projeto.

Leitura sobre Nelson Mandela na aula de leitura e interpretação de texto Créditos: Robson Farias

 O objetivo fundamental do nosso trabalho é trazer
conceitos de cidadania pras crianças.

Susana Terra

Toda quinta-feira pela tarde Ada Calegaro, Léa Ruth Mundstock Daudt, Nelsi Warken, Vera Regina Puerari e Susana Terra chegam ao Integração Social com o objetivo não somente de ensinar, mas de serem diretamente responsáveis por contribuir para o futuro de crianças moradoras do Morro da Cruz atendidas pelo projeto. Elas não são pedagogas de formação. A Léa, Nelsi e Susana são da área de TI. A Ada é aposentada e trabalhou no sistema judiciário e a Vera é fonoaudióloga. Mesmo assim, isso não as impediu de aceitarem o desafio de lecionar. Elas se dividem e dão aulas de matemática, leitura, interpretação de texto e alfabetização para os pequenos, o que por aqui nós chamamos de reforço escolar.

O trabalho na ONG começou depois que algumas dessas voluntárias realizaram atividades no Galpão Cultural, projeto conduzido pela artista Negra Jaque no Morro da Cruz, e conheceram os projetos do Coletivo. Em meio a esse tempo, elas souberam que muitos alunos do Integração Social tinham algumas dificuldades como na leitura e na matemática, e então se colocaram à disposição para trabalhar a aprendizagem com essas crianças.

O objetivo, além de fazer esses jovens terem conhecimentos básicos como saber ler, escrever e fazer contas matemáticas também é trabalhar, através das atividades de aula, cidadania com os alunos, o que pra nós é algo muito valioso.

Aula sobre multiplicação para alunos do reforço escolar Créditos: Robson Farias

“Com as crianças aqui no Coletivo, eu gosto muito de ler. É uma atividade que amo. E desde que chegamos aqui, tenho feito isso com elas. E tem sido muito legal, pois estão aprimorando sua forma de ler. O incentivo à leitura e a se expressarem em voz alta tem feito toda a diferença. No grupo, no ano passado, com a ajuda da Neca, descobrimos que o Senado Federal tinha impresso algumas revistinhas sobre temas importantes como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Manual Antirracista, a Lei Maria da Penha, entre outros. E assim, decidimos que eu faria essas leituras em aula. Já lemos sobre o ECA e o Manual Antirracista. Agora, vamos ler o sobre a Lei Maria da Penha e, no próximo ano, traremos mais materiais. O objetivo fundamental do nosso trabalho é trazer conceitos de cidadania para as crianças. Hoje, por exemplo, por que estávamos lendo sobre Mandela? Porque, um dia, ao lerem o Manual Antirracista, eles me perguntaram onde ficava a África. Então, vimos a oportunidade de convidar uma amiga que esteve na África para conversar com eles. Ela nos presenteou com uma revistinha sobre Mandela. E a cada leitura, fazemos uma interpretação, deixando clara a importância da educação, da compreensão do texto e de como isso pode ser aplicado em nossas vidas”, conta Susana.

Através do objetivo de se trabalhar cidadania com os pequenos, as voluntárias conseguem levar aos jovens conceitos interessantes e pertinentes do dia para ajudá-los a se formarem como cidadãos melhores e auxiliar no seu desenvolvimento. Neste ano, um dos temas de exemplo que foi apresentado aos pequenos para que eles pudessem conhecer e refletir foi o das eleições.

“Inclusive, antes das eleições a gente teve um dia que reuniu todas as crianças e a gente explicou para eles o que que era uma eleição. Por que que existia isso? O que era um vereador? Qual era a função dele? O que é um prefeito? O que ele faz? Por que a gente vota? Por que não vota? Como se deve escolher as pessoas que a gente quer votar e a importância disso. Porque a gente ia votar e se falava muito em tudo isso para eles terem uma noção de ter cidadania, dos deveres que a gente tem com o nosso país” explica Nelsi.

Desafios do voluntariado

Momento de diálogo entre voluntárias e alunos na aula de leitura e interpretação de texto Créditos: Robson Farias

O trabalho voluntário exige mais do que apenas o desejo de ajudar. É preciso lidar com desafios como a diversidade de aprendizados, a necessidade de adaptação constante e a construção de relações de confiança, dentre outros tantos fatores. E é claro que o trabalho voluntário no Integração também teria os seus desafios, as suas peculiaridades. No entanto, eles foram superados com o tempo e com a ajuda da própria instituição.

“No início, como não conhecíamos as crianças, trabalhávamos com o grupo todo. Eram muitas crianças. Fazíamos brincadeiras e atividades para identificar suas dificuldades. Como não tínhamos experiência em pedagogia, sentimos muitas dificuldades no início, pois eles eram muito ativos. Nem sempre conseguíamos desenvolver as atividades como planejado. A Paula nos ajudou muito e, junto com a Luísa, dividiu o grupo. Hoje, em grupos menores, tudo fica mais tranquilo. Trabalhamos bastante a atenção e a autoestima delas, que são muito importantes. Por exemplo, hoje fizemos uma gincana, com palmas e bombons, para comemorar cada progresso. Percebemos que elas progrediram bastante. No início, a maior dificuldade era entender as crianças mais agitadas. Mas aprendemos a lidar com elas e agora elas gostam de reforços positivos e aguardam ansiosas pelo conteúdo das aulas”, diz Léa.

Aluna participa de desafio para resolver cálculos Créditos: Robson Farias

Dentre todos os desafios enfrentados pela equipe de voluntárias, podemos destacar um em particular: saber como lidar com a realidade dos jovens que vem até nós. Desde a sua fundação, o Coletivo sempre buscou ser um espaço de acolhimento para as crianças e adolescentes, um lugar onde eles possam se sentir confortáveis. Por conta disso, é comum que a nossa instituição receba algumas crianças e adolescentes com diversas dificuldades no seu cotidiano e que enxergam na ONG um lugar onde elas podem expressar o que estão sentindo ou falar sobre situações que estão passando. Muitas dessas histórias comovem.

“Eu dizia pra elas duas quando a gente saía daqui: ‘Se um dia eu pegar uma criança e quiser levar pra minha casa vocês me parem’. Brincando, é claro. Porque já vimos casos que a gente ficava com o coração apertado. Uma vez uma criança perguntou se eu não queria ser a mãe dela. Então por isso eu dizia pra elas. Eu saía do carro chorando e dizia: ‘Se um dia eu pegar uma criança e quiser levar pra minha casa vocês me parem’. A Paula e o Juan me ajudaram muito com isso. Porque eu conversava e eles explicavam tudo em relação ao que estava acontecendo na vida das crianças. Eu acho tanto a Paula quanto o Juan uns colaboradores com as crianças, fantásticos”, conta Susana.

Apesar desses desafios, educadores, voluntários e demais colaboradores da instituição sempre buscam fazer o máximo possível para ajudar esses jovens. É importante dizer que nós temos na nossa instituição um grupo de psicólogas que faz acompanhamento direto dessas crianças e que realiza diversas atividades que visam tentar ajudar a resolver os problemas que são apresentados por esses alunos. Acreditamos que esse trabalho e a preparação que é feita com os nossos educadores facilita o trabalho voluntário realizado conosco, pois sabemos que apesar das dificuldades e desafios que possam surgir, temos uma equipe preparada para auxiliar e dar suporte para interessados em se voluntariar por aqui.

“Percebo também que as crianças aqui têm esse espaço como um reduto pra elas. E aqui elas conseguem colocar as suas emoções. Eu acho isso muito importante. Percebo que todos eles chegam aqui e de alguma forma com alguém eles conseguem dividir as suas emoções. Porque eu acho que eles são estimulados a isso. E a gente pelos educadores também o nível de afetividade“, diz Vera.

Para que o trabalho voluntário dê certo também é preciso manter uma parceria com os educadores que estão no dia a dia da instituição. E podemos dizer com orgulho que a relação entre eles e as voluntárias é muito saudável e fundamental para a realização das atividades.

“Eu acho a Paula e o Juan excelentes. Uma coisa que eu vejo nas crianças que a gente tem com eles é uma relação de afeto, que é fundamental. E eu vejo a relação de afeto que eles têm com o Juan e com a Paula. É uma relação de confiança. Hoje, por exemplo, teve uma situação determinada aqui no grupo que uma criança tinha falado que não tinha tomado café da manhã e a gente ficou conversando sobre. E em determinado momento falei pro Juan: ‘Dá uma olhada no fulano.’ E ele respondeu: ‘Ok, já vou olhar’. Eu acho que essa sintonia… Quando eu falei o nome ele automaticamente sabia quem era a criança. Isso é muito importante”, fala Susana.

O impacto do trabalho

Aluno se desafia a ler em voz alta na aula de leitura e interpretação de texto Créditos: Robson Farias

Depois de dois anos de trabalho na ONG, muitas histórias de superação e emocionantes foram notadas após o trabalho realizado pela equipe de voluntárias, reforçando o quanto é importante e eficaz o voluntariado no Integração Social. Vamos falar de alguns desses casos?

Uma grande evolução

Nilse Warken mostra para aluna como ela pode fazer cálculo Créditos: Robson Farias

“Eu lembro bem do dia 21 de dezembro do ano passado. Foi o nosso último dia de aulas com eles aqui. Então nós tínhamos trabalhado o ano todo com a tabuada, com a matemática. E nós tínhamos uma das meninas que quando a gente começou a trabalhar com ela, ela cochichava, falava muito baixinho. A gente percebia que ela não se expressava porque ela tinha muito medo de errar. E ela foi aos poucos evoluindo, se soltando bastante. E daí naquele último dia nós colocamos eles no quadro pra eles fazerem algumas continhas e falar um pouco sobre eles, né? E o que eles pretendiam fazer nas férias, expectativas e tal. E essa menina respondeu sobre tudo, sabia todas as continhas e ela tava eufórica. Já falava normal. Então assim, foi gratificante perceber o quanto eles tinham evoluído, o quanto a gente tinha alcançado o nosso objetivo.”

Léa Ruth Mundstock Daudt

Nas minhas férias eu vou ler

Aluno se desafia a ler em voz alta na aula de leitura e interpretação de texto Créditos: Robson Farias

“No mesmo dia delas, mas outro episódio. Quando eu cheguei aqui era um grupo grande, cerca de 13 a 15 crianças que eu lia, ia passando para cada um ler e me oferecia para ajudar quem tivesse dificuldade. Que aí eu ia sentar do lado e ia ler junto. E eu expliquei o que era interpretação de texto e qual a importância na vida de uma pessoa. A importância da leitura e saber o que a leitura quer passar de conhecimento. E no último dia, uma guria veio e eu perguntei: ‘O que você vai fazer nas férias?’. E ela disse: ‘Eu pretendo ler alguns livros e fazer trepetação de texto’. E aí me pediu pra ir ali na biblioteca e se eu poderia ajudá-la a escolher. Pra mim isso não tem preço. Quando eu digo que eu me emociono é uma emoção interna, sabe? É uma coisa que não tem preço.”

Susana Terra

Tirando o capuz

Imagem ilustrativa – Créditos: Arquivo pessoal/Coletivo MDC

“Eu tenho um caso meio simbólico de um pré-adolescente que todo mundo percebia a dificuldade que ele tinha pra se relacionar. E ele estava sempre de moletom com capuz. E ele não tirava aquele capuz nunca. E a partir do momento que ele veio tratar a dificuldade de fala que ele tinha, e a partir do momento que ele ultrapassou e conseguiu falar sem mais trocar as letras como ele fazia, ele passou a tirar o capuz e passou a ser um adolescente que não usava mais capuz. E quem trouxe isso foi todos, foi a Luísa. Elas perceberam isso nele e todo o comportamento dele. Isso foi bem gratificante.

Vera Regina Puerari

Demonstração de afeto

Alunos do Integração Social recebem macarrão instantâneo de doação e celebram Créditos: Robson Farias

“Eles demonstram bastante o afeto, né? Hoje até me chamou atenção que no meio da aula eles ficaram trocando de cadeira e um deles sentou na cadeira que ele não estava antes e veio e me abraçou. Foi super espontâneo dele.”

Ada Calegaro

A melhor recepção do mundo

Alunos em recepção na sede do Integração Créditos: Marcelo Fleury

“Quando a gente chega aqui, né? Que eles ficam paradinhos ali no muro e ficam nos chamando, vem dar abraço e beijo. É uma coisa muito gostosa e gratificante.”

Nelsi Warken

Obrigado por tudo, Neca

Inajara Houbert Rodrigues, a “Neca” ajudou a coordenar as voluntárias do reforço escolar do Integração Social Créditos: Arquivo pessoal

Se hoje o trabalho voluntário realizado pela Ada, Léa, Nelsi, Vera e Susana causam um impacto significativo na vida das crianças do Integração Social, muito se deve ao que foi feito pela pedagoga Inajara Houbert Rodrigues, a “Neca”. Ela foi a responsável por coordenar e ensinar tudo o que sabia para as cinco voluntárias. Infelizmente ela faleceu na metade deste ano.

No entanto, a trajetória de Neca como educadora e voluntária deixou um legado inspirador para todos aqueles que trabalham com crianças. Sua dedicação, conhecimento e paixão pela educação continuam a guiar o trabalho não só da equipe de voluntariado do Integração Social, que se empenham em oferecer um futuro melhor para as crianças atendidas pelo programa, mas também de todos os educadores e demais colaboradores da ONG.

Fazia tudo por amor

“A Neca entrou um pouquinho depois de nós, né? Um pouquinho depois de nós três. Nós pedimos ajuda da Neca como ela era pedagoga e nós não tínhamos ideia de pedagogia. Eu também fui da área de TI e hoje eu sou professora de espanhol. A gente foi pedir ajuda para Neca nos orientar porque tinha crianças que precisavam de alfabetização. Eu podia ler o Paulo Freire que tinha lido há 50 anos para entender, mas não é assim, né? E a Neca queria muito ajudar, então ela se juntou a nós e a parte de alfabetização ficou com ela. E ajuda muito a entender o trabalho da gente, né? E ajudou muito no Coletivo também, né? Ajudou a Luísa, Paula, Juan e Lucia. Nós fizemos algumas reuniões na casa da Neca e depois a Neca fez algumas reuniões com eles para ajudar na parte pedagógica. A Neca realmente era uma pessoa muito boa e importante. E faz falta. Ela foi alfabetizadora de crianças indígenas. A Neca organizou as aldeias indígenas do Rio Grande do Sul, né? E fez um trabalho com eles maravilhoso que até no dia da despedida, tinha uma senhora da comunidade, né? Agradecendo todo o trabalho dela. Então ela fazia aquilo como um amor e ao mesmo tempo nos passava uma paz e uma tranquilidade. Hoje que penso que a Vera também está fazendo com muito amor e carinho. Que a Vera pode fazer um trabalho excelente, assim como a Paula, o Juan. O que eu tô querendo dizer é que nós tínhamos uma pessoa como a Neca que era uma referência, óbvio. Mas tem a Paula, tem o Juan, de repente podem desempenhar isso também com tranquilidade“, explica Susana.

Excelente orientadora

“Ela foi muito importante assim pra nós porque ocasiões que a gente não sabia muito bem como fazer que tinha dificuldades para explicar, então ela nos dava técnicas de como fazer com as crianças pra poder explicar até a matemática. Nós nunca demos aulas para crianças, então era uma dificuldade para as crianças também. E ela nos orientou muito nesse sentido“, conta Nelsi. 

Em nome de toda a direção e colaboradores do Coletivo Autônomo Morro da Cruz, queremos nos solidarizar e agradecer novamente a família e amigos da Neca pelo trabalho incrível e transformador que ela realizou conosco. Fomos muito felizes em contar com a presença dela e com tudo o que ela nos ensinou. Que ela esteja em paz.

Dia Internacional do Voluntário

No dia 5 de dezembro se comemora o Dia Internacional do Voluntário. Queremos agradecer a todos os voluntárias e voluntários que fazem e que fizeram parte da nossa ONG ao longo de todos esses anos. A história das mulheres que fazem um trabalho voluntário no Integração Social é uma de várias que temos pra contar sobre todos que passaram por aqui e que deixaram a sua contribuição. Muito obrigado a todos que fizeram alguma ação ou atividade conosco. Somos extremamente gratos.

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